Ap 1,1-4;2,1-5a
Revelação de Jesus Cristo, que lhe foi confiada por Deus para manifestar aos seus servos o que deve acontecer em breve. Ele, por sua vez, por intermédio de seu anjo, comunicou ao seu servo João, o qual atesta, como Palavra de Deus, o testemunho de Jesus Cristo e tudo o que viu. Feliz o leitor e os ouvintes se observarem as coisas nela escritas, porque o tempo está próximo.
João às sete igrejas que estão na Ásia: a vós, graça e paz da parte daquele que é, que era e que vem da parte dos sete Espíritos que estão diante do seu trono. “Ao anjo da igreja de Éfeso, escreve: Eis o que diz aquele que segura as sete estrelas na sua mão direita, aquele que anda pelo meio dos sete candelabros de ouro. Conheço tuas obras, teu trabalho e tua paciência: não podes suportar os maus, puseste à prova os que se dizem apóstolos e não o são e os achaste mentirosos. Tens perseverança, sofreste pelo meu nome e não desanimaste. Mas tenho contra ti que arrefeceste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, donde caíste. Arrepende-te e retorna às tuas primeiras obras.”
Como ouvimos na leitura de hoje, existe uma promessa especial vinculada ao apocalipse de São João: “Feliz o leitor e os ouvintes se observarem as coisas nela escritas, porque o tempo está próximo.”
O tempo está próximo! Se esta declaração foi feita há tanto tempo, significa que a consumação de toda a história da salvação está agora ainda mais próxima.
Na leitura de hoje, ouvimos as palavras que o Senhor glorificado dirige à igreja de Éfeso, uma comunidade cristã aonde São Paulo realizou sua obra missionária por dois anos. Muitos supõem também que o apóstolo João viveu em Éfeso junto com a Virgem Maria. De fato, o historiador Eusébio menciona que João, depois de ter vivido na ilha de Patmos, teria morrido em Éfeso durante o governo do Imperador Trajano (entre 98 e 117 d.C.).
Em primeira instância, ouvimos o elogio destacando os lados positivos desta igreja. Enquanto as palavras são dirigidas ao chamado “anjo” de cada igreja – o que alguns exegetas identificaram como sendo os bispos da respectiva comunidade – elas se estendem à comunidade em geral.
O Senhor elogia igreja de Éfeso por todas as suas boas obras e menciona muitos aspectos dignos de serem imitados… Poderíamos nos perguntar o que mais poderia faltar a uma comunidade, e como foi que após tal elogio veio uma repreensão tão forte do Senhor, a ponto de advertir que, se não se arrependesse, Ele removeria seu candelabro (v. 5b). Alguns exegetas supõem que a igreja de Éfeso teria sido um modelo a ser seguido pelas outras comunidades da Ásia Menor; isto é, possuía uma certa primazia a nível espiritual.
O que poderia ter acontecido? Depois dos elogios recebidos na primeira parte, é impossível acreditar que a comunidade tivesse tido uma recaída e voltado a adorar a deusa Ártemis, como era comum em Éfeso. O que significa, então, perder o primeiro amor?
Quando falamos de “primeiro amor”, geralmente o relacionamos com aquele fogo especial que arde em um coração por outra pessoa – um fogo que pode envolver a pessoa inteira. Neste caso refere-se ao fogo por Deus, talvez o fervor da primeira conversão, o ardor deste amor… Tem um brilho especial que não só reforça a vontade de fazer o bem, mas que tudo seja penetrado por este amor e dê testemunho dele. O primeiro amor desperta uma extraordinária atenção do coração, que logo irá culminar em um amor duradouro e constante, que sempre mantém esta atitude de atenção, mesmo que possa assumir expressões diversas ao longo do caminho…
Neste contexto, o conceito da “atenção do coração” é importante, significando que está particularmente cativado…
Agora, pode acontecer que esta “atenção do coração” – de onde brotam as boas obras da fé – comece a diminuir com o passar do tempo, quando o amor não é cultivado como deveria ser. Então, mesmo que essas boas ações e atitudes mencionadas no elogio do Senhor continuem a ser praticadas, esse fogo especial do primeiro amor já não arde mais no coração. As obras não irradiam mais esse calor próprio do amor. Talvez o fervor pelo caminho da santidade tenha diminuído; aquele zelo que dia após dia se esforça para crescer no amor…
Poderia nos servir como exemplo uma vocação religiosa ou sacerdotal. O primeiro amor havia tomado posse da pessoa a tal ponto que se viu disposta a deixar tudo para trás a fim de seguir somente o Senhor. O ardor deste amor estava tão incendiado que ela estava disposta a vencer todos os impedimentos, a realmente abandonar o mundo e pertencer inteiramente a Deus. Neste primeiro amor, vivia “à altura” de seu chamado e, assim, tornou-se uma lamparina.
Mas, ao longo do caminho, não foi suficientemente vigilante e começou a se descuidar. O caminho da santidade lhe parecia demasiado exigente. Voltou a instalar-se nas realidades desta vida no mundo, cedendo aos desejos de sua natureza humana e negligenciando o caminho de um ascetismo prudente. Rezava apenas na medida de suas obrigações e começou a dar cada vez mais espaço a coisas desnecessárias… Não é que tivesse abandonado o caminho, muito menos apostatado da fé. Continua cumprindo suas obrigações, mas o coração não está mais totalmente envolvido. Assim, o esplendor de tal caminho vai empalidecendo e o ardor no coração se desvanece.
Este poderia ser o estado ao qual o Senhor se refere em sua reprovação: a perda do primeiro amor, ao qual é necessário retornar para que o caminho de seguimento volte a ter aquele brilho e nobreza que são próprios do primeiro amor. As palavras do Senhor glorificado nos mostram que é possível recuperá-lo!
Portanto, em sincera autorreflexão, devemos reconhecer onde o nosso amor pode ter diminuído. O que podemos fazer para despertá-lo plenamente de novo? Como podemos recuperar o zelo pelo Senhor e Seu Reino? Isto é possível! Inicialmente talvez tenhamos que “colocar em dia” ou seja, recuperar o que foi perdido… Assim, o texto de hoje se converte num convite para nos voltarmos para o Senhor de todo coração, apresentando-lhe nosso coração que talvez tenha esfriado, para que Ele o toque com o Espírito Santo. A preguiça e a indiferença de nosso coração também devem ser tocadas pelo “fogo de amor”, que é o próprio Espírito Santo.
Vemos que o Senhor glorificado, que retornará no fim dos tempos, tem os Seus em vista. É Seu amor que nos faz ver não apenas o que fazemos bem, mas também o que nos falta e onde estamos em perigo. Mas Ele não é apenas o Mestre que nos forma com sabedoria: é também Aquele que nos dá força para corresponder melhor ao Seu chamado. Ele é o Senhor, e não apenas um mestre humano!