Continuamos hoje com o nosso itinerário quaresmal na luta contra os vícios, que faz parte da via purgativa. Nesta ocasião, nos concentraremos no vício da “tristitia”, quer dizer, tristeza.
A luta contra a tristeza
“Afasta para longe a tristeza”, diz o sábio Ben Sirac, “porque a tristeza matou a muitos e nela não há utilidade alguma.” (Sir 30:23)
Podemos definir “tristitia” como uma tristeza desordenada, ao contrário daquela “tristeza diante de Deus” que, por exemplo, sentimos pelos nossos pecados e que nos leva a uma conversão mais profunda (cf. 2 Cor 7,10), ou a tristeza pela morte de um ente querido, ou mesmo uma “tristeza santa “, como aquela sentida por São Francisco de Assis quando percebeu que “o amor não é amado”, como o expressou.
“A tristeza desordenada e nociva, a melancolia – como quer que tenha entrado em nós – afasta nosso coração do estado de pureza, constringe-o e enfraquece as forças da alma até a sua raiz. Impede que o coração se encha de serenidade interior na oração. Impede que sejamos equilibrados e amáveis no trato com o próximo. Faz com que cumpramos nossas obrigações de má vontade e que não sejamos receptivos a qualquer bom conselho. Pode inclusive levar ao desespero.” (João Cassiano)
“Assim como a traça come a roupa e o cupim rói a madeira, assim a tristeza faz mal ao coração.” (São Bernardo de Claraval)
A tristeza desordenada pode surgir como resultado de um desejo não satisfeito, de um desejo que não se tornou realidade, ou pode vir de repente sobre nós e nos abater, ou também pode ser um estado de melancolia generalizado.
Em todo caso, nunca devemos nos deixar abater por ela, porque acarreta coisas piores ainda: “A tristeza perdeu muitos.” Isto significa que os mergulhou em pecados graves. É por isso que alguns mestres da vida espiritual a descrevem como “a cova do diabo”, pois o diabo pode ‘fazer das suas’ com facilidade em meio à escuridão e confusão causadas pela tristeza. Este é o estado de espírito que ele aguarda para atacar a alma com todos os tipos de tentações.
São Francisco de Assis disse a este respeito: “O diabo sente grande prazer quando encontra o coração de um homem triste, pois assim é fácil mergulhá-lo no desespero, ou incutir nele o desejo pelos prazeres e gozos mundanos novamente.”
Quando uma pessoa se deixa levar pela melancolia, as tentações à impureza a atacarão mais facilmente. São Gregório explica desta forma: “A alma não pode estar sem nenhuma satisfação. Ou a busca naquilo que é baixo e vil, ou no que é nobre e elevado. Assim, se não encontra mais alegria nas coisas celestiais, o demônio, que conhece muito bem a nossa inclinação natural, oferece-lhe coisas sensuais e indecorosas, convencendo-a de que, por meio desses prazeres sensuais, conseguirá aliviar sua tristeza”.
São Paulo também nos adverte e exorta a estarmos vigilantes, “para que não brote raiz alguma da amargura que vos perturbe e contamine a muitos.” (cf. Heb 12:15).
A razão pela qual a Sagrada Escritura e os mestres da vida espiritual nos advertem tanto contra a tristeza é precisamente porque ela é a fonte de inúmeros males e pecados. É também por isso que o diabo faz todo o possível para nos levar a um estado de espírito melancólico, pois sabe que pode nos precipitar facilmente no pecado.
Portanto, a luta contra a tristeza é tão importante quanto o combate contra todos os outros vícios mencionados, porque “nos torna apáticos, impacientes, duros, cheios de ressentimento e aflição infrutífera, perdidamente desesperados” (João Cassiano).
Como em toda luta, a primeira coisa que devemos fazer é tomar a decisão de não nos deixarmos levar pela “tristeza mundana”, por trás da qual um demônio está à espreita, se é que não tenha sido ele mesmo quem a tenha provocado. É necessário renunciar em Nome do Senhor a todos esses estados de espírito, invocar o Espírito Santo, dedicar-se às Sagradas Escrituras e à oração…
Se nos voltamos sinceramente ao Senhor e renunciamos a todo egoísmo e amor próprio desordenado, que frequentemente estão ligados a esta tristeza, então a luz voltará a brilhar em nossas almas.
Um último remédio espiritual que João Cassiano nos aconselha é pensar na esperança do nosso futuro eterno, antecipando a alegria que nos espera. Seu conselho é que nos concentremos naquilo que é eterno e que tem futuro: na vida após a morte. Isto é o que devemos manter em vista constantemente, com alegria e sem vacilação.