Ontem refletimos sobre a passagem da purificação do Templo, e depois a aplicamos ao nosso “templo interior”, que também precisa ser purificado.
No início do nosso “itinerário quaresmal” citei a oração de São Nicolau de Flüe, cuja primeira parte diz: “Meu Senhor e meu Deus, afastai de mim tudo o que me distancia de vós!” Esta afirmação resume a chamada “via purgativa” no caminho espiritual.
No Evangelho de hoje (Mt 5,20-26), Jesus diz a seus discípulos que a justiça que eles devem praticar deve ser “maior que a dos mestres da Lei e dos fariseus”, caso contrário “não entrareis no reino dos céus”.
O Senhor dá então algumas amostras de como deve ser essa “justiça maior”. Por exemplo:
“Todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: ‘Patife!’ será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo do inferno” (Mt 5,22).
Mas por que o Senhor espera daqueles que O seguem esta ” justiça maior” que a dos mestres da Lei e dos fariseus?
“A quem muito se deu, muito se exigirá. Quanto mais se confiar a alguém, dele mais se há de exigir” (Lc 12,48).
Com a vinda do Redentor ao mundo, é oferecida às pessoas uma graça muito maior do que a da Antiga Aliança. Portanto, as exigências para responder a esta graça também são maiores. Em outras palavras: em Seu Filho Jesus, Deus nos mostrou um novo nível de amor. E agora nós, que nascemos de novo da água e do Espírito (Jo 3,5), somos chamados a aceitar este amor, a responder a ele e a levá-lo a este mundo. A nós cristãos foi dado muito, e em particular aos católicos foi concedido o dom de tirar dos tesouros de graça confiados à Igreja.
Agora, se aplicarmos esta “maior graça” que nos foi dada na Pessoa de Jesus ao nosso processo de purificação, podemos concluir que a demanda também é maior e que a purificação deve ser ainda mais profunda. Não apenas devemos cumprir os mandamentos, mas também aprender a perceber nossas más inclinações e contrariá-las com a graça de Deus.
Jesus nos ensina que “do interior do coração dos homens” procede o mal (Mc 7,21). Ao mesmo tempo, ele nos dá a maravilhosa promessa no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus!” (Mt 5,8).
Isto nos mostra como é importante trabalhar no nosso próprio coração, para que possamos adquirir um coração novo e não cair vítimas de nossas más inclinações.
Para isso, a primeira coisa que devemos fazer é lutar contra os chamados “vícios” com um ascetismo saudável. Para desenvolver este tema, citarei algumas passagens de João Cassiano, um monge e autor espiritual do século IV. Seus conselhos ainda hoje são válidos, e alguns deles também podem ser adotados por aqueles que não vivem em um mosteiro, mas servem no mundo.
Portanto, vamos dar uma olhada nos vícios que escurecem nossa alma. Comecemos hoje com a luta contra a gula.
Ao falar sobre jejum, João Cassiano aponta vários pré-requisitos e depois menciona o objetivo geral:
“O objetivo comum é que ninguém se sacie em excesso, pois não é apenas a qualidade do alimento e o sabor ao paladar, mas também a quantidade excessiva que entorpece a capacidade do coração de lutar, e se o espírito engorda ao mesmo tempo que o corpo, ele acende o combustível das paixões nocivas”.
Ele continua: “As necessidades da natureza humana não se opõem à pureza do coração, desde que elas reivindiquem apenas o que o corpo realmente precisa e não o que os apetites exigem”.
Mais adiante, João Cassiano nos dá três dicas práticas sobre como controlar a gula:
1) Respeitar os horários das refeições.
2) Não encher demais o estômago.
3) Evitar os apetites, a glutonaria e as refeições extravagantes.
São Paulo nos exorta:“Comportemo-nos honestamente, como em pleno dia: nada de orgias, nada de bebedeira; nada de desonestidades nem dissoluções; nada de contendas, nada de ciúmes. Ao contrário, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não façais caso da carne nem lhe satisfaçais aos apetites” (Rom 13,13-14).
Em nosso itinerário quaresmal, já abordamos o tema do jejum, considerando-o como “lenha” para alimentar o fogo durante este tempo de preparação. Agora este tema surge novamente no contexto da luta contra a gula, mostrando-nos um importante objetivo da moderação no comer e no beber. Enquanto a gula entorpece a força de lutar do coração, o jejum e o manejo correto dos alimentos o fortalecem. Neste contexto, a afirmação do Senhor de que certos demônios só podem ser expulsos pelo jejum e a oração pode ser melhor compreendida (Mt 17,21).
Da meditação de hoje, retenhamos o seguinte: para entrar mais profundamente no caminho da purificação, devemos aprender a superar a luta contra os vícios com a graça de Deus. Retornaremos a este tema amanhã, porque a contenção de nossos vícios sensuais também nos ajudará a lutar contra nossos vícios espirituais.
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Meditação sobre o evangelho de hoje: http://br.elijamission.net/2022/03/11/