Cura interior em Deus (Parte VII)

Ascese: Sentinela da Liberdade 

À medida que nos aproximamos do fim do tema que temos vindo a desenvolver nos últimos dias, estou ciente de que haveria muitos outros aspectos a abordar no que diz respeito ao que Deus nos oferece para curar e fortalecer a nossa alma. 

O que eu queria demonstrar com esta série é que, enquanto católicos, temos um caminho autêntico através do qual a nossa alma, ferida pelo pecado original e pelos nossos pecados, pode ser restaurada por Deus. Se o percorrermos com perseverança, a nossa alma curar-se-á cada vez mais e o Espírito de Deus poderá impregnar o nosso ser. 

Como referi na primeira meditação desta série, não pretendo abordar a cura de doenças físicas nem de perturbações psicológicas graves. Também não abordaremos neste contexto a situação das almas submetidas a uma forte influência demoníaca, pois todas estas situações exigiriam uma atenção especial. 

Hoje, quero realçar a importância de uma ascética prudente que fortalece e eleva a alma. 

O termo “ascética” significa combate ou esforço. Isto significa que, com a ajuda de Deus, lutamos ativamente para reconquistar o domínio sobre os nossos impulsos e inclinações negativos. Trata-se, acima de tudo, de fortalecer a vontade. 

Com este exemplo concreto, será fácil compreender. 

Suponhamos que tenho tendência para beber álcool em excesso. Não me refiro a um vício doentio, que normalmente reflete um problema mais grave, mas à tendência para consumir mais álcool do que o conveniente, ou seja, para perder a medida. 

Se me deixar levar pelo hábito negativo de consumir álcool de forma excessiva e frequente, a minha vontade ficará cada vez mais enfraquecida e cairei numa certa falta de liberdade em relação a esta substância. A minha alma estará à espera desse prazer, com todos os efeitos que ele acarreta, e pedirá isso repetidamente. Mesmo estando ciente de que isso não me faz bem, não poderei mudar enquanto não decidir controlar este problema de forma firme. É necessário um ato de vontade, que terá de se concretizar com a ajuda de Deus. Quanto mais cedo, melhor! 

O que foi dito neste exemplo sobre o álcool pode ser aplicado a muitos outros domínios que podem passar mais despercebidos. Trata-se de todos aqueles aspectos da minha vida que não controlo com a minha vontade e em que, de uma forma ou de outra, me deixo levar, permitindo que exerçam domínio sobre mim. Não se trata necessariamente de pecados, embora, é claro, ao ceder às minhas fraquezas, esteja mais propenso a cometer pecados. A questão é que se perde o domínio sobre si mesmo, deixando de ser o “senhor da própria casa”, ao não se controlarem as situações através do entendimento, da vontade e da ajuda do Senhor. 

A ascética ajudará a recuperar esse domínio através da prática da abstinência. No contexto do tema em questão, não se trata de uma renúncia drástica ou absoluta a todos os prazeres naturais, embora tal possa ser oportuno em certos estilos de vida particularmente ascéticos. Aqui, referimo-nos a refrear as paixões desordenadas e a não nos deixarmos levar pelos impulsos da nossa natureza humana decaída. 

A cura da alma por meio de uma ascética prudente consiste em recuperar a liberdade e, portanto, a dignidade. Desta forma, podem ser curadas as profundas feridas infligidas pelo pecado original. 

O conceito de ascetismo está relacionado com o domínio de si mesmo, embora na nossa meditação o queiramos focar diretamente no caminho de seguir o Senhor. 

A ascese para reconquistar a liberdade não diz respeito apenas aos nossos comportamentos externos, mas também abrange aqueles domínios em que existe uma falta de liberdade mais sutil, como a tendência para falar em excesso, distrair-se com coisas insignificantes, chamar a atenção, preocupar-se excessivamente consigo mesmo e com a sua aparência, a vaidade que isso implica, ou discutir sobre coisas desnecessárias, entre muitas outras inclinações que podemos ter. Em suma, trata-se de, em todos os âmbitos em que exista uma desordem espiritual na nossa vida, nos esforçarmos para restabelecer a ordem adequada. 

A ascética também controla os pensamentos e os sentimentos e é a guardiã de toda a nossa vida, não exercendo um controle severo que nos privaria de qualquer prazer e alegria, mas sim como uma sentinela da liberdade. A ascética identifica por si mesma onde ainda há falta de liberdade, tanto na vida interior como na exterior, e permite que Deus lhe mostre isso. Depois de as reconhecer, esforça-se constantemente para as superar. 

Podemos comparar a ascética às rédeas de um cavalo, que permitem ao cavaleiro dirigir o animal na direção desejada. Assim, a ascética ajuda-nos a empreender, com a nossa vontade e entendimento, o caminho que o Senhor deseja que sigamos. 

A ascese será uma luta e um esforço constantes até ao fim dos nossos dias, pois estaremos sempre confrontados com as inclinações da nossa natureza decaída, que não serão aniquiladas enquanto durar a nossa vida terrena. No entanto, através da ascese, podemos adquirir uma maior liberdade, mesmo que soframos algumas derrotas, e assim poderemos elevar-nos mais facilmente para Deus. Não nos deixaremos mais dominar pelas coisas deste mundo, porque não lhes permitiremos exercer o seu domínio sobre nós. Isto aplica-se também às relações com as pessoas, que exigem liberdade interior para que, por um lado, não se criem laços ou apegos desordenados e, por outro, se aprofundem cada vez mais as relações verdadeiras. 

Deus é o único Senhor da nossa vida e queremos pertencer-Lhe completamente, sem reservas! Por isso, através da ascese, trabalhamos para que o domínio de Deus se torne realidade nas nossas vidas, sem que as nossas carências de liberdade interior e exterior O limitem. 

 

Meditação da leitura do dia: https://br.elijamission.net/o-amor-de-rute/ 

Meditação do evangelho do dia: https://br.elijamission.net/2022/08/19/ 

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