O legado de São Francisco de Sales

Do Salmo 36

Salmo correspondente à memória de São Francisco de Sales

 

Confia no Senhor e faze o bem,

habita na terra e vive tranquilo,

põe tua alegria no Senhor

e ele realizará os desejos do teu coração.

 

Entrega teu caminho ao Senhor

confia nele, e ele agirá;

manifestará tua justiça como a luz

e teu direito como o meio-dia.

 

A boca do justo medita a sabedoria

e sua língua fala o direito

no seu coração está a lei de Deus,

seus passos nunca vacilam.

 Hoje celebramos a memória de São Francisco de Sales. Ele viveu de 1567 a 1622, foi bispo de Gênova, fundou uma ordem religiosa e nos deixou um legado de escritos valiosos sobre a espiritualidade, que testemunham a sua profunda vida interior. Os mais conhecidos são a “Filotéia” – ou “Introdução à Vida Devota” – e o “Tratado sobre o Amor de Deus”. São Francisco de Sales é considerado o “santo da mansidão” depois de ter lutado a sua vida inteira para conter o seu temperamento irado. Foi um bom guia de almas e entre suas filhas espirituais destaca-se Santa Joana de Chantal.

Mas o seu ensino não se dirige apenas aos consagrados. Ele também oferece ajuda para o caminho de santificação daqueles que vivem no mundo. A “Filotéia”, em particular, é de grande valor neste sentido e até hoje é uma leitura de grande proveito para qualquer um que queira aprofundar o seu caminho espiritual.

Ouçamos um pouco do que este santo nos diz e tratemos de nos enriquecer com a sua sabedoria:

“O meu passado já não me preocupa, pertence à misericórdia divina. O meu futuro ainda não me preocupa, pertence à providência divina. O que me preocupa e desafia é o hoje, que pertence à graça de Deus e à entrega do meu coração, da minha boa vontade”.

Vamos começar com a primeira parte deste princípio:

“O meu passado já não me preocupa, pertence à misericórdia divina”.

São Paulo também – cuja conversão celebraremos amanhã – nos exorta a esquecer o que está no passado, e a nos entregar ao que está à frente (cf. Fil 3,13). Isto não se trata simplesmente de um esquecimento, nem muito menos de uma repressão das coisas incômodas do passado, de culpas e fracassos. Não, não é isso… Ao contrário, é a certeza de que todo esse passado já foi depositado na misericórdia de Deus e que, portanto, está em suas mãos.

Se já recebemos o perdão dos nossos pecados na confissão, com o arrependimento correspondente, então Deus nos convida a olhar para frente. Ele não mais imputa os nossos pecados a nós e nem os fica jogando na nossa cara, mas a lembrança da nossa própria culpa pode nos ajudar a ser misericordiosos com os outros, a ter sempre em mente o amor de Deus que perdoa e a retomar o nosso caminho de vigilância.

Desta forma, podemos até tirar proveito de um passado pecaminoso, mas este jamais deveria nos entristecer com pesar, nem tampouco deveríamos atualizá-lo repetidamente, reprovando-nos constantemente pelas nossas faltas, pois assim estaríamos arrancando o nosso passado do oceano da misericórdia de Deus e, na pior das hipóteses, estaríamos o colocando sob o domínio do Acusador. Devemos tomar este ponto bem em conta e interiorizá-lo, porque é o Acusador quem quer se fazer valer destas situações do passado para nos atormentar. E isto conta tanto para nós mesmos quanto para os outros. Se alguém se converteu e teve as suas faltas perdoadas por Deus, temos que dar a ele a oportunidade de recomeçar, e não a amarrá-lo ao seu passado com nossas acusações.

O ditado de São Francisco segue assim:

“O meu futuro ainda não me preocupa, pertence à providência divina.”

Este ponto se refere às preocupações com o futuro que ocupam os nossos pensamentos tantas vezes e inutilmente, levando-nos a esquecer a realidade espiritual de que o futuro está nas mãos de Deus. Isto não deve ser apenas um desejo piedoso, mas uma realidade viva. Para isso, é necessário que eduquemos o nosso interior e que, através da oração, ponhamos freios no espírito de preocupação. Com estas palavras São Francisco certamente não se refere àquelas coisas que são de nossa responsabilidade para planejar o futuro, mas sim àquelas com as quais nos ocupamos inutilmente, que não estão em nossas mãos, mas ainda assim nosso pensamento gira em torno delas… Aqui se requer um ato definitivo de confiança em Deus, e toda vez que estas preocupações inúteis reaparecerem temos que reafirmar esta decisão. Podemos nos questionar se, no fundo, talvez não queiramos nos desapegar completamente porque as preocupações se tornaram parte de nossa vida, a ponto de acharmos que correspondem à nossa identidade.

E São Francisco de Sales conclui:

“O que me preocupa e desafia é o hoje, que pertence à graça de Deus e à entrega do meu coração, da minha boa vontade”.

 O santo toca no ponto decisivo com estas últimas palavras: devemos viver o HOJE! É assim que planejamos o futuro! O presente também está impregnado pela graça de Deus; mas é aqui que podemos ser seus colaboradores. A nossa entrega a Deus permite que a sua graça determine todos os momentos de nossa vida. Isto nos dará serenidade e uma grande confiança.

Será uma serenidade que vem da certeza de viver na graça de Deus, acompanhada da vigilância para identificar a sua orientação e corresponder a ela apropriadamente… É isto que nos faz viver atentos e focados no único necessário: buscar a Deus antes de tudo, em tudo, e viver Nele.

Deste modo, cada dia se torna em uma missão que o Senhor nos confia: tanto a grande como a pequena, tanto a saúde como a doença, tanto a paz como o combate… Assim, aprendemos a viver no “Kairós”; quer dizer, no AGORA de Deus, no tempo de graça que se abriu a nós de par em par, graças a Nosso Senhor.

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