A Vida Espiritual (Parte III)

A obediência ao Espírito Santo é essencial para o avanço na vida espiritual. Ele é o nosso mestre e guia interior. Quando nos familiarizamos com Ele e aprendemos a ouvir e a seguir cada vez melhor a Sua voz, nosso caminho espiritual pode se tornar mais leve e mais ágil.

Depois que o Espírito Santo nos tiver conduzido à primeira conversão (refiro-me aquele momento crucial em que se toma uma decisão clara de seguir Jesus e de não colocar nada acima Dele, contrariamente a uma atitude indecisa e indiferente perante Deus), Ele continuará a agir em nosso interior.

Assim como a decisão tomada em nossa primeira conversão é a resposta autêntica ao amor de Deus, também o são todos os passos subsequentes no caminho da santificação.

O amor de Deus foi derramado em nosso coração (Rm 5,5) e quer exercer o seu domínio suave nele. Demos o nosso “sim” fundamental a esta obra de Deus em nossa primeira conversão e agora o Espírito Santo quer levá-la adiante. Neste sentido, a eficácia de Sua obra dependerá de nossa cooperação na medida em que dermos os passos necessários ao longo deste caminho. O Espírito Santo não nos obriga ou pressiona, pois isso não é próprio da essência do amor. Pelo contrário, Ele nos atrai, nos corteja, nos lembra e nos adverte; às vezes também intervém impedindo-nos de tomar o caminho errado, mas nunca nos força, pois isso restringiria nossa liberdade.

Portanto, vemos aqui um primeiro critério para identificar a ação do Espírito de Deus. Insisto que isto não significa que Ele não pudesse ou não devesse nos admoestar de forma contundente, porque de fato já demos nosso “sim” a Deus e não queremos nos deter, muito menos retroceder no caminho de união com Ele.

Consideremos o Espírito Santo como nosso amigo e mestre divino, que nada mais quer além de despertar o amor em nós cada vez mais e nos converter naquilo que somos por vocação: filhos amados de Deus, que fazem Sua vontade voluntariamente, e que querem unir a sua vontade própria plenamente à Dele.

Neste ponto mencionamos o objetivo de nossa caminhada espiritual, que consiste precisamente na união de nossa vontade à vontade de Deus. Todo caminho espiritual autêntico terá este mesmo objetivo: a união de vontades com Deus. A oração que dia a dia rezamos no Pai Nosso – “Seja feita a Tua vontade assim na terra como no céu” – também se aplica à nossa própria vida. Queremos que a vontade de Deus seja feita em nós da mesma forma como é feita no céu.

Para este caminho, temos um mestre e guia que, simultaneamente, é nosso amigo divino. Também sabemos qual é a nossa meta com clareza. Teremos muitos outros companheiros ao nosso lado, especialmente a Virgem Maria, os anjos e os santos que nos esperam na eternidade. Mas esperamos poder contar também com conselhos sábios de pessoas espirituais aqui na Terra.

Se permanecemos dentro da estrutura da doutrina e da moral autêntica da Igreja, sem nos deixarmos influenciar pelos erros do modernismo, avançaremos em “terreno seguro”. Os santos sacramentos farão o resto repetidas vezes para nos ajudar em nossa fraquezas, alimentando-nos com o maná celestial em nossa peregrinação através do “deserto deste mundo”. Por isso, tenhamos ânimo e encomendemo-nos inteiramente ao guiar de Deus, como o fez Maria. Desta forma, alcançaremos o nosso objetivo sustentados pela Sua graça.

 

As virtudes

Conhecemos as chamadas “virtudes teologais” e as virtudes humanas ou morais, que são adquiridas através do esforço humano. Enquanto Deus coloca todo o seu poder nas virtudes teologais sem a nossa cooperação, as virtudes morais foram infusas como uma semente em nós no dia do batismo, deixando ao homem o trabalho de desenvolvê-las à base da vontade e  hábitos, sempre movidos pela graça de Deus. Dentre as virtudes morais, quatro se destacam de maneira especial, e portanto são chamadas de “virtudes cardeais”: prudência, temperança, fortaleza e justiça.

Embora a prudência tenha a primazia entre as quatro, gostaria de – no contexto do caminho de seguimento do Senhor – me concentrar hoje na virtude cardeal da fortaleza. Isto não deve ser confundido com o dom da fortaleza, embora tenham o mesmo nome.

Esta virtude, que se desenvolve através dos esforços da nossa vontade, desempenhará um papel fundamental na caminhada espiritual. Ela nos ensinará a suportar as adversidades e a não desistir frente à menor resistência que encontremos no seguimento de Cristo. Facilmente somos invadidos pelo medo, ou provocados por outros a sentir medo, e isso nos dá a impressão de que o caminho que começamos a percorrer é muito íngreme, muito difícil. Somos também confrontados com nossas próprias fraquezas e poderíamos nos sentir intimidados por elas.

Acrescente-se a isto o fato de que o ambiente à nossa volta é muitas vezes alheio ou até mesmo hostil à fé cristã. Talvez nos encontremos com pessoas que ridicularizam a nossa fé ou a apresentem como um exagero. Também não podemos descartar que soframos certas perseguições ou que sejamos marginalizados por causa de nossa fé…

Não obstante, provavelmente a maior dificuldade é quando sentimos que falhamos, quando perdemos o ânimo e a confiança se esvanece.  Aqui corremos o risco de jogar a toalha ou diminuir as exigências do caminho espiritual, optando por um outro caminho que envolva menos resistência.

Devemos estar conscientes de que os três inimigos de nossa alma – a saber: a nossa natureza humana decaída, o mundo e especialmente o diabo – farão todo o possível para nos dissuadir a seguir um caminho de busca mais intenso. O diabo, por sua vez, não somente teme perder seu domínio sobre a alma, mas também que a alma possa se tornar um apóstolo que conquiste outras almas para o Reino de Deus, arrancando-as de suas garras.

A nossa natureza caída teme os esforços reais ou imaginários que o caminho de seguimento possa nos custar, e foge do asceticismo e de qualquer restrição ao seu desejo de prazer.

Finalmente, a vaidade do mundo não quer nos deixar e se louva a si mesma como algo atraente.

Não obstante, a virtude da fortaleza sustentada pela graça de Deus permanece firme no caminho que empreendemos, aconteça o que acontecer. Isto não significa que não voltemos a sentir medo. Mesmo que uma pessoa tenha medo pela sua própria natureza ela pode tornar-se corajosa e forte, não só superando o medo, mas também fazendo o que é correto apesar dele.

A semente da fortaleza infundida em nós por Deus converter-se-á numa virtude sólida à medida que a exercitarmos. Assim como alguém se torna humilde através de atos concretos de humildade, também chega a ser forte e corajoso através de atos de fortaleza.

Para concluir esta meditação, escutemos uma bela frase da escola carmelita, dirigida por Santa Teresinha do Menino Jesus a uma de suas noviças: “Não importa que não tenhas coragem, se apenas agir como se a tivesses.”

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