A liberdade para seguir o Senhor

Mc 3, 20–21

Naquele tempo, Jesus voltou para casa com os discípulos. E de novo se reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer. Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si.

 Até que ponto se poderia chegar: eram tantos os que vinham a Jesus e os discípulos, que estes estavam tão ocupados servindo-os que nem sobrava tempo para comerem. Certamente alguns missionários ou evangelistas também têm vivido situações como esta, onde o serviço tem prioridade sobre as necessidades biológicas. Podemos assumir que tais situações são apenas temporárias, e que Deus está satisfeito com o zelo daqueles que servem desta forma.

Mas outras pessoas podem achar esta atitude incompreensível, especialmente os membros da família que tendem a se preocupar e, quem sabe, nem sequer entendam o zelo da pessoa, ou, na pior das hipóteses, o observam com desconfiança, como lemos na passagem do Evangelho de hoje.

Também observamos em outros textos da Escritura e em testemunhos ao longo da história da Igreja que o parentesco pode se tornar um obstáculo para o seguimento do chamado de Deus. Por exemplo, Jesus lamenta que os profetas não sejam bem recebidos em sua pátria (cf. Lc 4,24), e isso aconteceu efetivamente com Ele próprio quando chegou a Nazaré. Ali o rejeitaram. E uma das razões para sua incredulidade foi o fato de que esse Jesus havia crescido no meio deles e o conheciam, de modo que não podiam explicar a sua autoridade divina: “Mas não é este o filho de José? (Lc 4,22b)

O mesmo aconteceu com Jeremias em seu tempo. Ele havia sido chamado por Deus para um importante serviço profético e teve que suportar uma oposição enorme de sua própria família.

São Francisco de Assis teve que se separar de seu pai para responder ao chamado de Deus, bem como Santa Clara.  Poderíamos enumerar muitos outros exemplos semelhantes na história da Igreja…

Por que isso acontece com tanta frequência?

A família é uma comunidade natural estabelecida por Deus e é a célula básica da sociedade humana. Uma vocação sobrenatural, por outro lado, é um chamado direto de Deus que retira uma pessoa de seu ambiente natural e lhe confia uma tarefa especial, de outro nível. Este chamado pode criar um conflito com a família caso os parentes não compreendam o significado de uma vocação e não tenham abertura suficiente para querer compreendê-la numa atitude sincera e reverente.

Então existe o perigo de que os parentes queiram fazer valer seus direitos e seus vínculos pessoais, em vez de darem um passo atrás diante do caráter sobrenatural do chamado.

Mas é aqui que entra em jogo a singularidade e a particularidade do chamado de Deus: ele está acima das obrigações familiares! É um chamado universal que está a serviço de toda a humanidade, mesmo que seja uma vocação escondida, como viver em um eremitério ou mosteiro contemplativo.

Diante desta vocação universal, as exigências familiares devem ocupar um segundo plano. O mesmo acontece – e, de fato, muitas vezes caminham juntos – com o chamado ao celibato. Responder a este chamado significa entregar-se inteiramente ao amor de Deus e ao amor pela humanidade, e isto vai mais além de uma vocação matrimonial!

Portanto, uma vocação extraordinária é uma enorme demonstração do amor de Deus por aquele que é chamado. E a bênção que a vocação traz consigo não é derramada somente sobre a pessoa chamada, mas se estende a muitas outras, incluindo a própria família (mesmo que ainda não sejam capazes de entender), e toda a Igreja.

É por isso que pais e parentes não deveriam impedir uma vocação se ela é autêntica. Pelo contrário! Deveriam considerá-la uma honra e dar-lhe todo o seu apoio, como efetivamente acontece no caso das famílias crentes. Ademais, tal ambiente incentiva as vocações.

Jesus não se deixou deter em sua obra pelas expectativas de seus parentes, pois esta era a missão que lhe foi confiada por seu Pai celestial: tornar o Pai conhecido e redimir toda a humanidade.

Quem se coloca a serviço de Jesus é chamado a fazê-lo com total dedicação e a preservar toda a sua liberdade para este fim.

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